04/10/2007

O poema sempre em construção

Tenho sonhado muito, desmesuradamente
e se não me chamaram de lunático ainda
e porque não tenho sonhado suficiente

Tenho padecido do mal da juventude
tenho sofrido com paixões arrebatadoras
e tenho desistido de tudo com muita facilidade

e a cada dia quero ser mais e mais lunático
sempre mais do que fui no dia anterior
o controle que tenho e que me ensinaram a ter, quero perder

a vida inteira o que tenho feito
é brincar de ser coisas

meus ideais foram efêmeros
como paixões que eram
desconheço o propósito das coisas que faço
o que quero fazer
faço com objetivos sempre nebulosos... ou sem objetivo nenhum
faço o que me pedem
visto-me como querem
e me divirto... mas nem sempre

quando somos crianças
brincamos com as coisas dos adultos
vestimos suas roupas
reproduzimos suas falas
imitamos seus gestos
fingimos ser mais velhos e poderosos
e fantasiamos com seu mundo
continuo fazendo o mesmo
brinco com tudo que é dos homens
acho muito interessante a seriedade a altivez
com que muitos realizam as mínimas atividades cotidianas
é destes que às vezes eu levo bofetadas pela minha indolência
não sei fazer outra coisa além de brincar
não entendi bem onde é o lugar
da ciência, da religião, da política neste mundo
... ainda que seja óbvio
o que chamam de óbvias, geralmente não são muito óbvias para mim

tenho amado os clichês e as redundâncias
o que escrevo é sempre isso
tenho falado muito do amor
e das relações entre as pessoas
parece-me um desperdício falar de outra coisa
mas falo, porque brinco de falar também
conheci teorias suficientes para falar de muita coisa
mas não acredito em nenhuma delas
porque não sei qual delas é verdade
fico surpreso como algumas pessoas que se apegam fortemente a uma doutrina
e daí constroem suas certezas em cima dela
(o que são as coisas, o que deve ser feita com elas, o que é melhor para nós)
eu não consigo
tenho uma pista de que bom mesmo é amar
mas até isso andam desconstruindo
andam dizendo que amar é idealização
é um lugar que a gente inventa pra viver um faz-de-conta
para fugir do mundo em que não queremos viver
e que não queremos mudar porque temos medo
Mas eu não sei, só tenho pistas... e clichês
não consigo pensar e falar sem ser redundante

tenho padecido de uma total falta de capacidade
de visualizar a vida futura
mas tenho sonhado muito
com tudo que é possível
e tudo com que alguns dizem ser impossível
tenho sonhado até com super-heróis
e com a possibilidade de existirem coisas ocultas e sobrenaturais
como pregam os místicos e feiticeiros
tenho preferido usar a palavra “mágica” a “truque”

tudo que tenho sido e feito
parece uma cópia grosseira de algo que já existia
não há originalidade em mim
não levo uma rotina tranqüila e suportável
não exercito sempre as mesmas habilidades
porque temo todos as formas de atrofia
mas isso me torna um monte de retalhos indefinível
tenho aprendido sobre muito
acreditado em pouco
tenho ensaiado todo tipo de comportamento
todo tipo conduta, seguindo todos os tipos de preceitos
tenho sentido todo tipo de sensação
tenho estado imensamente feliz e profundamente triste
e às vezes passo o dia impressionado com o que vejo no espelho

nenhuma confissão minha tem validade no minuto seguinte
nenhuma certeza minha vale a pena de ser registrada
nenhum prognóstico meu é passível de ser levado a sério
tudo de mim tem chances de ser perdido pelo caminho
nada de mim é para ser eterno

06/08/2007

Diálogo desencontrado

O homem entra na livraria, o atendente vai até ele e pergunta:

- Boa tarde, senhor, posso ajudá-lo?
- Olá, sim, eu estou procurando um livro...
- Pois não, qual é o título da obra?
- Hummmm... não sei...
- O senhor sabe o nome do autor?
- Hummmm... não...
- E a editora?
- Eu me esqueci! É um livro que conta a história de um dinossauro..
- É um livro para crianças, senhor?
- Não, não... é a história de um dinossauro assassino e...
- Ah, sim, então é um romance policial?
- Não sei, não tem nenhum policial na história...
- Deve ser um suspense, então?
- Não sei, é a história de um dinossauro que mata o John Kennedy...
- Um dinossauro que mata John Kennedy?
- Sim... um dinossauro
- Um dinossauro que atira no John Kennedy?
- Não, ele não mata John Kennedy com um tiro, é com um golpe de caratê!
- Ué, mas John Kennedy não foi morto com um tiro?
- Não, não... na história ele é morto com um golpe de caratê...
- Mas todos sabem que ele foi morto com um tiro!
- Não, não... esse aí que morreu com um tiro não era o John Kennedy de verdade, era um sósia que o serviço secreto sempre mandava para eventos em que o presidente corria riscos.
- Ah, e onde o John Kennedy legítimo foi morto com um golpe de um dinossauro carateca?
- Não sei, eu ainda não li esse livro. Onde eu encontro?
- Ainda não sei como ajudá-lo, senhor. Talvez este livro esteja na seção “suspense”...
- Ah, mas não é um suspense, é meio uma intriga política... mais ou menos...
- Intriga política? O dinossauro era um assassino contratado por adversários políticos?
- Não, não.. ele era um dos senadores que tinha muita inveja do John Kennedy...
- O dinossauro era um senador?
- Sim, mas ele seria candidato a presidente na próxima eleição...
- E por que não foi?
- Não sei, eu ainda não li o livro...
- Entendi. Vou perguntar para o pessoal mais experiente. Então é a história de um dinossauro que mata John Kennedy porque quer ser presidente...
- Não! Ele mata o John Kennedy porque o John Kennedy estava saindo com uma pessoa que o senador amava muito...
- Ah! Marilyn Monroe?
- Não! Sabe aquela carinha da Aveia Quaker?
- Sei... mas ouvi dizer que aquilo é um homem..
- É mesmo...
- O John Kennedy era homossexual?
- Não, o dinossauro era homossexual, o John Kennedy não!
- Então porque o John Kennedy estava saindo com o cara da Aveia Quaker?
- Porque o John Kennedy tinha interesse na filha dele.
- E quem era a filha do cara da Aveia Quaker?
- Não sei. Não li o livro...
- E a Marylin Monroe?
- Que que tem a Marylin Monroe?
- Ela não era amante de John Kennedy?
- Sim, era.
- E ela não está na história?
- Sim. Ela está. Ela fazia aulas de caratê com o dinossauro.
- Que faixa ela tinha?
- Não sei, não li o livro.
- E ela está envolvida no assassinato do John Kennedy?
- Não sei...
- ...você não leu o livro, né?
- Isso! Em que seção eu encontro?
- Não sei. Ainda não sei que livro é esse...
- É um livro que conta a história de um dinossauro...
- ...um dinossauro assassino que mata o John Kennedy com um golpe de caratê... eu já sei, senhor, mas não sei de que livro se trata... vou perguntar ao meu gerente.
- Muito obrigado!

Minutos depois o atendente retorna:

- Sinto muito senhor, falei com o gerente e com todo o pessoal, ninguém sabe de que livro se trata.
- Ah, não preciso mais! Minha esposa me ligou e disse que já encontrou o livro em outra livraria e já entregou para minha sobrinha.
- O senhor não me disse que era para sua sobrinha. Quantos anos ela tem?
- Nove.
- Mas o senhor não disse que o livro não era infantil?
- Sim, que que tem?
- Mas o livro não conta a história de um dinossauro homossexual assassino que mata o John Kennedy com um golpe de caratê por causa do cara da Aveia Quaker?
- Ah, sim... minha sobrinha adora dinossauros!

03/08/2007

A cólera súbita do Senhor Alencar

Naquele dia ele havia prometido a si mesmo que mataria sua esposa. Nunca antes havia cogitado cometer tal ato, ocorreu-lhe subitamente, durante seu intervalo para almoço, quando passou em frente a uma pequena galeria de artes. Na vitrine estava em exposição uma escultura africana que ele gostou muito, mas sabia que sua mulher o faria devolver, caso ele comprasse, ou deixaria em algum canto esquecido da casa, como fizera antes com um quadro pintado por crianças deficientes que hoje faz parte da decoração da garagem. Essas idéias malucas irritavam profundamente sua esposa, mais de uma vez o marido havia sido repreendido em público pela mulher e umas tantas outras privadamente quando ele manifestava seus desejos de tornar a decoração da casa mais exótica. A mulher, apesar de calma, paciente e compreensiva, detestava extravagâncias ou objetos esdrúxulos, opinião que sempre fazia questão de exprimir para seu marido quando visitava lugares e casa de amigos que se desviavam de uma ideal de pureza ambiental que ela havia desenvolvido ao longo da vida e do qual sentia muito orgulho.

Ele ficou algum tempo olhando a escultura, mas seus olhos já estavam cegos, via tão somente o processo de morte da sua mulher. Havia se dado conta de um controle sobre si que nunca percebeu e apreciou muito sua genialidade de ter tido a idéia do assassinato. Apesar das repreensões, que o marido considerava saudáveis e por isso as acatava sem protestos, eles nunca haviam discutido de modo severo e nenhum dos dois chegou a sentir ódio um do outro, com exceção da vez que ela julgou ter visto seu marido abraçado com uma mulher num restaurante, mas era um outro sujeito muito parecido com seu parceiro, fato que descobria mais tarde, ao observar melhor, de forma que isso não conta. Quanto mais ele ficava ali olhando a vitrine, mas a idéia do assassinato se tornava palpável, como acontece com um cientista na iminência de uma descoberta. Ele sentiu ódio, muito ódio. O ódio sentido pela primeira vez por uma pessoa é fulminante com uma paixão incontrolável. Sentia um gosto amargo horrível na boca ao descobrir que estava imensamente arrependido de ter casado com aquela mulher. Com o olhar perdido em cenas macabras de morte, rangia os dentes e fazia movimentos com a boca que estado nenhum havia lhe provocado antes. Ficou atônito, amaldiçoou sua mulher como o padre lhe ensinara a fazer com o diabo na sua infância, quando foi coroinha da paróquia do bairro onde morava. A certa altura de seus pensamentos doentios, ele olhou quase com sobressalto em seu redor para espiar se alguém lhe observava, como quem receia que os pensamentos possam ser ouvidos pelas outras pessoas. Ninguém o observava, como era de se esperar, ele, no entanto, agiu disfarçadamente para tentar ocultar seu estado de perplexidade e, em seguida, saiu caminhando contando a distância entre os passos e controlando seu ritmo para que tivesse certeza de que estava se comportando normalmente. Mas ele não conseguiu, e começou a olhar desconfiado para os transeuntes, que sequer notavam o sujeito transtornado.

Quando chegou à portaria do prédio onde trabalhava, já havia estabelecido um pouco do muito controle que havia perdido. Assim, ele passou sem ser notado pelos porteiros, como sempre. Enquanto aguardava o elevador no hall de entrada, a imagem de sua esposa veio novamente à sua cabeça, fazendo-o sentir uma mescla de prazer e repulsa. Chegou a sentir uma pequena pontada na consciência, mas logo a esqueceu quando a porta do elevador se abriu. Entrou, havia uma mulher lá dentro que certamente vinha do sub-solo. Normalmente ele cumprimentaria com um boa tarde desinteressado, mas dessa vez esqueceu, o que não chegou a fazer tanta diferença na vida do ser com quem compartilhava o pequeno espaço do elevador. Nesse meio tempo a idéia do assassinato foi momentaneamente esquecida para dar lugar à inquietação do transtorno que lhe afligia. Com os olhos inquietos que miravam a cada segundo um diferente centímetro quadrado da realidade fitou o dedo anular da mão esquerda da moça, foi quando ele parou de procurar aquilo que não sabia estar procurando. havia uma lustrosa aliança dourada no dedo da moça. Então, ele ergueu o braço esquerdo até a altura dos olhos e observou sua própria aliança, já um pouco mais calmo, mas ainda atônito, e depois fitou um infinito que a moça não conseguia enxergar. Seus pensamentos se perderam em imagens que remetiam ao seu casamento e ao de seus amigos. Sentiu cheiro de bolo, de vinho, de champagne, de maquiagem de noiva, de igreja... Lembrou da música que tocavam no dia de seu matrimônio e da marcha nupcial. Seus olhos se perderam ainda mais e ele se esqueceu de baixar a mão ou ao menos de colocá-la em movimento para disfarçar. A moça o olhou de relance, mais interessada do que assustada, mas seu interesse durou até que o elevador parou e as portas se abriram no andar que ela havia escolhido. Foi então que o sujeito abandonou a viagem em que se metera e olhou para o painel do elevador, notou que não havia apertado o botão correspondente ao andar em que trabalhava. Assim, o elevador seguiu sua descida em direção ao térreo, já sem sua companheira efêmera de viagem. Quando o elevador parou novamente e suas portas se abriram, ele, que tentava entender o que estava acontecendo consigo, tentou também esboçar um sorriso para não desagradar às pessoas que entravam. Tudo se passou como se nada estivesse acontecendo durante a subida até o décimo quarto andar, onde ele trabalhava, que ali parou porque alguém se encarregou de apertar o botão correspondente, pois ele havia se esquecido de novo.

Ele saiu e foi em direção ao banheiro do escritório. Seu transtorno estava ficando cada vez mais difícil de se disfarçar, mas impossível de ser percebida pelo outros. Cruzou com duas ou três pessoas que lhe conheciam e sua sensação era de que elas observavam a nudez de sua alma. Entrou no banheiro, foi até o lavatório e molhou o rosto que havia congelado uma expressão que ele mesmo não reconheceu quando se olhou no espelho. Nesse instante ele cessou todos os movimentos bruscos que fazia até ali e permaneceu estático observando seus pensamentos no reflexo de seus olhos. Quando ouviu o barulho da porta se abrindo, preciptou-se para o interior de um dos sanitários que estava desocupado, fechou o trinco, abaixou a tampa do vaso e sentou-se apoiando a cabeça nas mãos com os dedos entre os cabelos, que eriçaram. Fechou os olhos e durante um bom tempo ficou amargando as imagens que lhe ocorriam. Após alguns minutos, pegou no sono. Nunca havia adormecido tão facilmente, com exceção das raras vezes que se embebedara, era como se os seus problemas de insônia houvessem sido curados de repente.
Depois de um tempo cochilando, ele despertou exasperado, com os olhos arregalados, ele se levantou do vaso suando com o calor que fazia dentro do banheiro pela falta de ventilação adequada e dentro da sua alma pela perturbação. Ofegante, voltou a sentar-se no vaso sanitário, dobrou-se e simulou contrações de quem está para vomitar, esperando que o ato de regurgitar pudesse curar seu estado assim como se cura uma embriaguez. Não vomitou, entretanto, recompôs-se precariamente e ficou recordando, estático, o breve sonho que tivera. Sonhou que era fim de tarde e estava chegando em sua casa. Abriu a porta, encontrou o ambiente escuro. Andou por todos os cômodos da casa acendendo as luzes e procurando sua esposa. Chamava incessantemente pelo nome dela. Foi encontrá-la na lavanderia, morta, com um aspecto hediondo.

Ficou perplexo ao recordar, não só pela péssima sensação de olhar para o corpo sem vida de sua mulher, mas também pela sensação intuitiva de que o sonho representaria muito mais do que o produto de pensamentos obsessivos. Julgava que aquilo poderia significar um presságio ou algo assim. Estava com cara de bobo de um menino que não entende as lições de matemática sente-se mal. Agora estava dividido. Se a morte da sua mulher era certa, como revelara seu sonho, isso significaria que seus planos seriam bem sucedidos? Pôs a si mesmo essa questão e algo o perturbou ainda mais nesse momento. Se a morte da mulher era certa e fosse também certo que ele seria o causador da morte, isso significaria que, por antecipação, ele seria um assassino. Esse pensamento fez gelar sua espinha. Também por antecipação ele sentiu arrependimento por ter matado, o que significa que sua coragem impulsionada pela perturbação o abandonou nesse momento. Não sentiu mais o ímpeto de levar seus planos adiante.

Não se sabe bem como se dá a sucessão de eventos na dinâmica do universo. Se ela tem uma ordem definida ou se seu traçado é outorgado previamente, sem que se tenha controle dos eventos, ou, ainda, se ela acontece de forma caótica e inesperada, isso é algo que repousa na escuridão do nosso desconhecimento e, portanto, nossas escassas faculdades mentais não podem precisar. Assim sendo, vejamos, então, o que se passa dentro do banheiro onde está esse sujeito transtornado cozinhando pensamentos. Neste instante, e em momentos anteriores, os eventos do universo se sucederam de forma a causar uma resultante específica. Esses eventos poderiam se combinar de tal forma que, agora, seu celular tocaria. Poderia ser algo importante ou não. Ele poderia deixá-lo cair ou não dentro do vaso. Caso atendesse, poderia ser do hospital, onde sua mulher poderia estar morta ou apenas sofrendo de um mal-estar comum a uma hipertensa. Também estar na unidade de tratamento intensivo, onde os médicos estariam tentando salvar a vida da qual ela mesma havia tentando se privar, envenenando-se por já estar cansada de como a dinâmica de sucessão dos eventos no universo se comportava e a tornava profundamente triste com seu casamento. Mas o celular poderia não tocar ou não estar com ele. Ele poderia tentar seguir sua rotina normalmente. O desejo do assassinato poderia voltar a lhe ocorrer ou não. Ele poderia voltar a fazer ou não planos para matar sua esposa. Se ele fosse para, voltando de um lugar qualquer conforme seus impulsos ou conforme seus planos, poderia encontrar ou não sua mulher. Se encontrasse, poderia dar cabo dela de diversas formas, planejadas ou não, ou poderia se arrepender no último minuto. Se o universo lhe reservasse uma grande fortuna, ele poderia encontrar ou não em sua casa a escultura africana que sua mulher poderia ter comprado, então ele seria imensamente feliz. Mas poderia ser imensamente triste, caso descobrisse a escultura somente após matar sua mulher. Ou pior, poderia chegar em casa, esgueirar-se pela escuridão da casa, pegar o primeiro objeto pesado que encontrasse na sala e matar sua esposa, que poderia ou não estar de costas, para depois descobrir que havia cometido o assassinato com a própria escultura.

Mas nada disso aconteceu. O universo estava ocupado com eventos mais importantes despejando fortuna e infortúnios em outros lugares. Seu celular, que estava com ele, não tocou. Ele não voltou a cogitar a hipótese do assassinato. Saiu do sanitário, lavou e enxugou o rosto. Voltou a trabalhar estranhamente tranqüilo, como quem vê a desgraça passar perto mas que já vai longe e não se efetiva. Após o expediente foi tomar um trago em um lugar qualquer que não importa onde. Chegou um pouco mais tarde em casa. Sua mulher estava na cozinha, ele foi até lá e a cumprimentou como de costume, com um beijo desinteressado de quem já é casado há muito tempo. Ele puxou umas das cadeiras e sentou-se. Ficou observando sua mulher, que estava de costas, virada para o fogão onde cozinhava algo para o jantar que, coincidentemente, também estava atrasado. Observou-a com o olhar e a expressão do soldado que volta de uma guerra longa e sangrenta. Sentiu desejos estranhos, desejou sua mulher de uma forma diferente, mas, sobretudo, sentiu medo... medo de viver e morrer só.

16/07/2007

Manifesto Tolicista

Todos os homens são tolos revestidos pelas vestes da certeza, uns mais, outros menos. A certeza é originada de diversas formas, pode ser pela religião, pela tradição, pelas crenças, pela ciência ou por qualquer outro meio que convença um sujeito de que algo é verdade ou não. Em todo lugar, em todos os tempos, não se sabe por quê, houve quem se preocupasse em estabelecer os fundamentos da realidade a partir das estruturas lógicas do nosso pensamento. A atribuição desses sujeitos inquietos era a de forçar a passagem dos elementos da existência através da cognição para, a partir daí, estabelecer fórmulas, conceitos, leis, e outras modalidades de certeza. Nesse processo, muitas das práticas foram sendo refinadas e as certezas se tornaram mais fundamentadas pelas lógicas cada vez mais apuradas. Isso significa que para cada tempo, em cada lugar, uma certa estrutura da percepção e da cognição humana era utilizada para se estabelecer o que era verdade ou não. Quem hoje poderia conceber a existência de um deus chamado Poseidon que governaria os mares e oceanos? Pois houve uma época em que isso era perfeitamente plausível, pois, sabe-se lá o porquê, podia ser concebido sem maiores problemas pelos homens. Nessa sucessão de novas formas de pensar, de sentir, de apreender e concluir, institucionalizamos uma metodologia para se proceder quando quisermos estabelecer uma verdade, é o que chamamos, genericamente, de ciência, simbolizada pela universidade, lugar onde os homens praticam essa metodologia exaustivamente para estabelecer o maior número verdades possível. A universidade é a materialização máxima da angústia do homem causada por sua busca infatigável em compreender as coisas e fenômenos em seu redor. A razão é a pior tragédia do ser humano, é seu câncer de nascença que lhe causa todas as perturbações das quais sofre, e todas as instituições criadas por essas perturbações são unidades terapêuticas para tratamento de consternações e euforias. Mas mesmo esse objetivo nem sempre é atingido com o acúmulo de certezas pelo indivíduo, que supostamente amenizariam sua angústia, é atingido também pela eminência que é atribuída ao sujeito pertencente à instituição somente pelo fato de pertencer a ela e ali desenvolver suas atribuições de pesquisador, então passam a gozar de prestígio, de poder, e de outras coisas que ajudam a tornar mais agradável a existência terrena. Não se sabe se um sujeito quer pertencer a uma congregação, seja ela científica ou religiosa, para estudar um assunto qualquer ou para brilhar aos olhos dos outros, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Pudera, se não se sabe o que se está fazendo aqui na Terra, como definir os objetivos da própria vida? Há concepções muito convincentes a sobre a existência humana e seus propósitos. Há religiões, seitas e escolas místicas que dão conta disso. Mas não são raras as concepções que não passam pelo crivo da metodologia científica, por meio da qual não podem ser estabelecidas como verdade. Não bastasse isso, muitas dessas concepções são contraditórias, não só em sua própria fundamentação, mas também em comparação com outras concepções. Que faremos, então, sujeitos como eu que não foram doutrinados numa religião, não se satisfazem com as verdades científicas e nem são presunçosos o suficiente para negar a existência de Deus e de seus propósitos para os homens e as coisas do mundo? Ora, não há outra coisa a fazer senão ser um tolo, um pascácio, um tongo, um sorongo, um bocó, um aparvalhado, um pandorga, um pancrácio, seja lá qual for termo utilizado para definir aquele que não tem juízo, razão ou fundamento. O tolo é aquele sujeito das vestes da certeza cheias de retalhos, remendos, pregas mal armadas, costuras perfeitas e mal feitas e com cores de diversas tonalidades. O tolo é aquele que não se importa em deixar rombos nas vestes que lhe expõem as partes que causam encabulamento. O tolo é o sujeito que fica nu das certezas quando lhe convém e enfeitado como um rei francês quando assim o desejar. O tolo é o demolidor e construtor das sintaxes que explicam e confundem conforme as determinações do seu estado de espírito. O tolo é o estado natural do ser humano curioso desbravador das coisas do mundo, que desvenda os mais inconcebíveis segredos da existência. Somos todos tolos, mas muitos de nós aprendemos a nos confundir com as vestes. Viver a tolice é viver o desregramento necessário para prosseguir com as descobertas que se dão por diversos meios além dos laboratórios científicos e dos rituais religiosos ou pagãos. O tolo conhece e desconhece Deus. Sabe e ignora os desígnios dos homens na Terra. Reconhece que além de seus olhos, tato, ouvidos, paladar, olfato, cognição, lógica, razão, pode haver outros instrumentos ainda não institucionalizados para conceber Deus e o propósito das coisas. Mas reconhece também que podem não existir esses outros instrumentos e que ficaremos eternamente presos aos nossos escassos sentidos sem poder saber o que nossa angústia existencial nos impele a saber. O tolo é a figura da ingenuidade que deita fora conceitos pré-estabelecidos e resultados de experiências anteriores, que aprende com coisas novas e coisas velhas, e as velhas não são velhas porque são esquecidas e retomadas o tempo todo, tornando o mundo um eterna novidade. A propriedade elementar do tolo é a falta de posição numa discussão, ele somente questiona para se chegar ao fundamento da discussão, como ela nunca é descoberta, porque toda discussão deve ter como fundamento básico o propósito da existência, ele não julga e nem chega a nenhuma conclusão. A tolice é a virtude que os seres humanos podem induzir para tentar chegar à resposta ansiada, e se ela não chegar, ao menos serão felizes como são todos os tolos, os amalucados, os aparvalhado, os apatetados, os atolados, os atombalados, os atoleimados, os basbaques, os bobos, os bobocas, os bocós, os bolônios, os boquiabertos, os débeis, os lesos, os lorpas, os pacóvios, os palermas, os palúrdios, os paspalhões, os pategos, os petolas, os sorongos, os tontos, os balarminos, os beldroegas, os pancrácios, os pandorgas, os papalvos, os papa-moscas, os pascácios, os tongos...

06/07/2007

O dançarino dos ladrilhos

Andava de um canto a outro na sala de ladrilhos pretos e brancos. À certa altura, guiava seus passos ora pisando somente em ladrilhos pretos, ora somente em brancos. Minutos depois esse hábito se tornara tamanha obsessão que ele já não conseguia mais pisar entre os ladrilhos, como se isso tivesse se tornado um ato de extremo mau agouro. Diversificava as seqüências de passos, pisava preto-preto-branco, branco-branco-preto, e despendia tanta concentração nessa tarefa que não percebia a quase-dança que estava fazendo. Quando se sentiu entediado, começou a contar os ladrilhos. Contou a faixa de ladrilhos pretos de um canto a outro da sala e depois a de brancos. Depois fez essa mesma contagem na transversal, mas não sabia como contar os ladrilhos partidos que serviam para preencher os espaços nos cantos da sala que não eram do tamanho de ladrilhos inteiros. Não sabia se considerava meio ladrilho como um ladrilho inteiro, e também não sabia se meio ladrilho era meio ladrilho ou se era dois quintos de um ladrilho ou, ainda, quinto oitavos de um ladrilho. Não conseguiu resolver sua conta e angustiou-se por não saber exatamente quantos ladrilhos poderiam haver no chão daquela sala, não conseguia ignorar os ladrilhos partidos. Parou, desviou o olhar do chão para o teto e ficou observando a lâmpada fluorescente acesa que lhe ofuscava a vista, fazendo-o contrair o sobrolho. Coçou o pescoço e depois meteu as duas mãos no bolso da calça. Desviou o olhar novamente para o chão e foi até o extremo da sala pisando a seqüência branco-branco-preto, aquela que mais havia lhe agradado. Virou-se deixando a parede atrás de si e olhou para as três cadeiras e a pequena mesa no outro extremo da sala. Colocou o lábio superior embaixo do lábio inferior e estufou as bochechas com ar. Tirou as mãos do bolso e as cruzou atrás da cabeça, servido-lhe de apoio, para se alongar inclinando-se para trás e olhando novamente para o teto. Recompôs-se determinado a contar os ladrilhos, ainda que houvesse aqueles partidos, sem, no entanto, saber como resolveria sua equação. Deu o primeiro passo pisando em um ladrilho preto, pois lembrava-se que os últimos dois que havia pisado eram brancos, olhando em volta e contando um por um. Lembrava que havia um modo de utilizar a multiplicação de forma a não precisar contar um a um, mas desconsiderou essa hipótese. Por volta do ladrilho 12 a porta da sala foi aberta. O médico entrou resignado, com uma expressão melancólica que não conseguia ocultar, sentou-se em uma das cadeiras da sala, curvou-se um pouco à frente, entrelaçou os dedos com os cotovelos apoiados sobre os joelhos e voltou os olhos para o sujeito em pé no canto oposto. O dançarino dos ladrilhos observou o semblante do médico, depois olhou novamente para a lâmpada, colocou o lábio superior embaixo do lábio inferior, estufou as bochechas com ar e desejou que a pior coisa que podia lhe acontecer naquela noite fosse não saber como contar os ladrilhos partidos.

A terra e o macaco

A terra que ela é
é o macaco que eu sou
e seus sedimentos e fragmentações
é a repartição a que se submetem
todas as coisas que se manifestam na realidade

Projeto-me nela com a empatia absurda
de quem ama as mais ínfimas migalhas
de toda a matéria que se produz
de quem sabe que, cedo ou tarde,
será componente dela
e que comporá outros seres
que voltarão a terra
como parte da lei fundamental
da qual nada se isenta

Essa terra é o chão que piso
o chão que esqueci que piso
porque nossa relação é tão básica
que se torna opaca pelos seres que se movem
e me fascinam muito mais

mas ela se move, e eu me movo
ela menos, eu mais
como determina a dinâmica de movimentação
que se estabelece no planeta inteiro
e fará com que, em algum tempo,
eu não seja mais o mesmo macaco... e nem ela
fará com que os fragmentos que nos constituem
sejam espalhados por outros lugares
(próximos, remotos, profundos ou rasos)
sem nenhum propósito bem definido ou que importe

Sento-me na terra nua
já despreocupado em me sujar
desejando poder lhe consolar
por sua nudez, por seus traumas
e por sua condenação ao esquecimento
de todos que amassam sua superfície com os pés

Impotente, consolo a mim mesmo
porque o sentir é meu
e sou eu que dou conta da nossa relação
sobre quem que recairá as desgraças da terra
inexoravelmente

O desconforto do macaco

Deus ainda não me fez ver o propósito das coisas
e também não me fez dar conta de sua existência
ou fez e eu não percebi, ou percebi e neguei
...
Mas por que haveria ele de fazer isso?
E por que haveria eu de querer isso?

Alguns macacos nascem cegos
Outros não podem ouvir
Há aqueles que não tem recursos
e há os desprovidos das faculdades mentais
Mas há também aqueles que não tem fé
e é esta a minha desgraça
e deve ser a parte que me cabe
do sacrifício a que todos devem se submeter
em compensação a algo que nos é dado
ou por algum motivo qualquer que ninguém sabe bem ao certo,
que alguns macacos talvez saibam muito bem
ou que talvez esteja escrito em algum lugar
e que poder ter tido contato com os meus olhos e ouvidos
que podem ter transmitido ao meu discernimento
mas que não discerne das coisas de Deus
e fiquei sem saber

amo demais as criaturas que Deus pôs na Terra
e é por amar demais sua criação
e por ser irremediavelmente cego e estúpido
diante do que ele deve tentar me mostrar o tempo todo
que eu sou atirado (por mim?) para longe dele
feliz, ao menos, por ter sido abençoado
com a idiotice que faz rir das coisas e dos seres
...do despropósito de tudo que me é tão evidente
que não há outra coisa a fazer senão rir

diante dessa confusão mental
que me desordena toda a realidade perceptível
e que me faz sentir um condenado à privação das coisas de Deus
deito-me no galho e já não dou conta de mim
entrego-me a Deus como último recurso após esses raciocínios inúteis
como quem pula da castanheira para não ter que voltar
como quem confia que, lá embaixo
será um onde qualquer que não aqui, porque não há razão para ficar
e que poderá, por um milagre qualquer, aparecer no topo de outra castanheira
ou voar para qualquer outro lugar que Deus queira
ou dar de cara com o chão duro porque é de sua vontade
mesmo que eu não dê conta dele, e nem de mim

Que me importa os questionamentos, afinal?
O melhor não seria mergulhar no oceano dos seus mistérios
sem saber bem a razão?
porque não é essa a única associação possível
entre um macaco e um oceano
entre a alma e o indefinível?
como uma lei natural
que é lei dos loucos também?

E fico sem saber

O poema do macaco triste

Talvez eu precise perder tudo
para descobrir que eu não preciso de nada
Talvez eu precise me livrar da selva que me abriga
das frutas, das folhas, das flores
e da macaca-aranha que me chama à noite e diz que me ama
Mas serei feliz?
E se eu acordar e estiver na caatinga sem nada?
E se não tiver nem selva, nem comida
e nem ninguém pra dizer que me ama?
Como saberei?
E se, em verdade, eu precisar de outras coisas?
e então?
Sim, talvez eu precise trocar as coisas que tenho
mas como saberei pelo quê devo trocar minhas coisas
se não sei o que me deixa feliz?
E se eu precisar de mais?
Sim, e se eu precisar de mais?
Mas tenho um pouco, ao menos deveria estar um pouco feliz
E se o pouco que tenho for nada?
E se eu já tiver muito?
Há tantos homens que comem barro
e bebem água saloba
para matar fome e sede!
E isso? Isso sim é não ter nada!
Certamente não são felizes esses tantos
Mas e se forem?
Terei eu que comer barro e beber água saloba para ser feliz?
Mas se eu me livrar de tudo
e então me tornar infinitamente mais triste e me arrepender?
Como vou reaver o que perdi?
E se nada me deixa feliz?
O que me resta?
Que farei eu neste mundo?
...
Não, exaltei-me
Sei que sou feliz em certos momentos
Mas por que somente em certos momentos?
O que há de errado?
E se a felicidade for o porção de alimento
para a fome, que é a tristeza
e que sacia até que a barriga ronque novamente?
E se a felicidade for um capricho?
Por que a quero tanto, afinal?
Não depender dela seria muito melhor
mas melhor como?
Ser feliz sem felicidade?
É um paradoxo!
...
Preciso definir:
Quero-a muito, ponto...

Neste momento sinto um ímpeto
de destruir o que acabei de escrever
Eliminar a incerteza e dissolvê-la no esquecimento
Para quê tanto questionamento?
Estou triste, apenas isso
Meu questionamento é um mal-estar
Que eu esqueça isso
e que amanhã, quando eu acordar
eu esteja feliz
e que o porquê não importe

Meu nariz vermelho

O meu nariz vermelho
é muito mais do que um não ser eu
é muito mais do que uma máscara
um traje, um disfarce
muito mais do que charlatanice
simulação, impostura ou embuste
é muito mais do que isso
é mais do que ser um imbecil nas horas vagas
porque é tudo isso e nada disso

O meu nariz vermelho
é o fingir ser eu mesmo
a máscara do que eu sou de fato
meu disfarce que descobre a alma
é ludibriar com a sinceridade
é a esquisitice da naturalidade
é ofender elogiando o meu interlocutor

O meu nariz vermelho
é a alegria de me reconhecer
como um ser bobo e espontâneo
sabidamente ignorante
que aprendeu a desaprender os aprendizados
mas é triste também
porque é quando a consciência dá umas pontadas
e me molesta o tempo todo
me dizendo que eu não posso
ser eu mesmo tempo todo
porque o tempo todo
é muito tempo

O meu nariz vermelho
é a concessão para ficar nu da alma
para explorar a boa-fé do público
para atacar a compostura,
as convenções sociais
o decoro, a decência, o pudor
para ser um idiota e estúpido
e fazer o que der na telha
ainda que não haja teto nem telhas

O meu nariz vermelho
é a manifestação do meu estado
de permanente angústia e aflição
por ter acumulado muitas incertezas
por não ter entendido muito bem
dos assuntos dos homens e dos deuses
por ter engolido a contragosto
conceitos e comportamentos
receando a privação do convívio com outros
receando o cárcere e o ostracismo

O meu nariz vermelho
é a expressão desse ente contraditório que sou
que aceita e nega tudo
como uma lata de lixo que, inutilmente,
diz “não” para cada porcaria
que lhe é atirada para dentro
e então nega as coisas que tem dentro de si
mas não se desfaz delas
porque teria que tombar sua lata
aí viria alguém lhe erguer novamente
e colocaria de volta todas as porcarias
reconstituindo a lata de lixo
da mesma forma que antes

Isso tudo é o meu nariz vermelho
o que não significa muito
nesse mundo cheio de significados
muito mais importantes
mas ele é, sobretudo,
a habilidade de rir de si próprio
a percepção de como nós humanos
somos irresistivelmente engraçados
e de como nossas humanitíces
são cômicas, trágicas e
(por que não?)
lindas

Sofás

O marido chega em casa um pouco mais tarde do que de costume. Sem se deixar ser percebido, ele se aproxima por detrás da mulher que está a lavar louças, abraça-a e sussurra no ouvido dela:

- Surpresa, meu amor! Comprei aquele sofá que a gente tanto queria!

Um mês depois o marido infeliz estava mortinho da silva. Esfaqueado pela mulher, ele sangrou até a morte sobre o tapete da sala, ao lado do sofá verde-abacate de tecido sintético e estrutura de madeira cutucante que havia comprado. Os vizinhos chamaram a polícia e ela foi levada para a delegacia. Durante o interrogatório a mulher teve um surto. Babando e tremendo, abandonada pela lucidez, ela arrancava os próprios cabelos, chorava e arranhava seu rosto bravejando contra um tal sofá que havia ganhado do marido – foi o que constou nos autos. Os policiais interrogaram as pessoas próximas do casal, todos disseram que a pobre mulher vivia comentando a respeito de um sofá grande, fofo, vermelho e florido que pretendia comprar. Uma das vizinhas disse que parou de freqüentar o lar do casal depois de ter visto um certo sofá verde-abacate ser entregue lá. A mulher aguarda o julgamento em um centro de recuperação para maníacos obsessivos compulsivos por sofás no centro da cidade.

Isso aconteceu há alguns anos atrás, antes do Osvaldo se mudar para uma nova casa. O Osvaldo é um amigo meu, o sujeito mais perfeccionista que conheço. Foi ele que me contou a história de uma decoradora que sofria da síndrome bipolar sofástica, condição que havia adquirido depois de não ter conseguido encontrar um sofá que combinasse com a decoração de seu apartamento. O Ovaldo planejou minuciosamente a compra do mobiliário para sua casa. Encontrou tudo que queria, exceto o sofá. Depois de meses tentando sem sucesso encontrar o sofá que queria, decidiu escrever um livro: “Em busca do sofá dos meus sonhos”. Este é o título de sua obra que já chegou a marca das 10 mil cópias vendidas. Sua busca pelo sofá terminou há dois meses. Ele comprou o mais barato e vagabundo que encontrou, depois, em menos de duas semanas, escreveu outro livro: “Manual prático para conviver em harmonia com seu sofá feio, barato e desconfortável”, já há vários dias na lista dos mais vendidos.

Temendo pela minha saúde mental, decidi doar meu sofá para um mendigo e mobiliei minha sala com cadeiras. Ontem eu me encontrei com esse senhor, ele estava todo machucado. Ficou assim depois de um confronto com fiscais da prefeitura que confiscaram seu sofá. O pobre homem me confessou que já não consegue viver sem o sofá e que cedo ou tarde dará cabo de sua vida.
Deus tenha piedade de sua alma!