06/08/2009
Um quase-poema de despedida
28/07/2009
Momento auto-ajuda
Um vira-lata pode aprender muitas coisas. Aprendendo muitas coisas consigo descobrir para o que sou apto e para o que sou inapto. Tornei-me inapto para muitos dos afazeres da cidade, isso é verdade. Mas sabendo para o que me tornei inapto, consigo imaginar as aptidões necessárias para quem quer assumir esses afazeres. Então, quando vejo esse monte de gente querendo se casar, penso no que eles deveriam estar fazendo para poderem ser bons maridos e esposas. Percebo que tem sido tempos difíceis para algumas das mulheres que buscam um companheiro. Não que elas me revelem isso – elas não perderiam tempo se confessando a um vira-lata – é que isso é uma coisa que transparece até no andar de algumas mulheres. Entre os homens, são poucos que percebo desejarem o mesmo. É certo que muitos dos homens desejam se casar, mas eles não parecem estar com muita pressa, ao contrário das mulheres que, já chegando à casa dos trinta anos, parecem querer remediar a situação na última hora. Há também aquelas que já encontraram um parceiro, mas andam meio amuadas e receosas com o futuro de seus relacionamentos. Se um dia uma dessas mulheres viesse me pedir conselhos, coisa que, obviamente nunca vai acontecer, eu diria assim:
Pequenos conselhos para as mulheres que desejam se tornar esposas
Não sonhe com os homens, qualquer um pode notar a ansiedade daquela que espera por um esposo, e muitos homens sabem tirar proveito dessa ansiedade. Busque a auto-realização, então se acaso um esposo aparecer, ele somará a sua vida, ao invés de ser apenas o recheio de uma lacuna.
Fique bonita, mas não tente esconder a todo custo suas imperfeições. Fazendo isso, além de revelar sua insegurança, atrairá a atenção justamente para o que você está tentando esconder. Lembre-se que a curiosidade é pelo desconhecido. Jamais tente equilibrar suas imperfeições apontando as imperfeições do outro, esse é um hábito das crianças mimadas. É claro que as mulheres muito bonitas têm mais opções de escolha. Mas ter variadas opções, ter diversos homens interessados em você, é um convite à soberba. Ser agraciada com uma beleza generosa é uma oportunidade para a superação dela própria. Use-a como um obstáculo a se transpor para ir além e descobrir coisas mais preciosas em seu interior. Se você confiar à beleza seu sucesso com os homens, em breve vai se ver rodeada de torturantes tratamentos estéticos que não têm fim; e quando sua beleza se for com o passar do tempo, você vai se ver obrigada a se submeter a deformantes cirurgias plásticas que a tornarão ridícula. Aprenda a valorizar as rugas. Só quem não evolui em sabedoria detesta as rugas. Mais importante que se achar bonita é, simplesmente, achar-se.
Frases como “com licença”, “me desculpa”, “por favor” e “obrigado” são mais importantes que “amo você”, “você está linda” ou “não vivo sem você”. Qualquer tolo é capaz de viver uma paixão, mas não é qualquer um que sabe viver com humildade e respeito. Virtudes como estas serão mais importantes que exaltações apaixonadas quando os anos pesarem sobre o casamento.
Um homem que tolera a mentira poderá viver uma mentira com você. Fique atenta, mas não faça testes tolos para saber se ele é sincero. A verdade aflora com a água da nascente de um rio: clara e silenciosa.
A paixão é um bom motivador para a união de casais, por outro lado, o fim da paixão é um bom motivador para a separação. Depender da paixão para se realizar implica, invariavelmente, numa troca incessante de parceiros. Para o matrimônio, o amor, que se constrói, é mais importante que a paixão, que se desvanece. Esqueça o passado do relacionamento dizendo “antes era melhor” ou “antes era mais intenso”, tudo que é fruto da paixão, por natureza, é efêmero. Busque a felicidade do relacionamento em uma construção fundada em sentimentos mais sutis, e não nos excessos da paixão que nunca mais vão voltar. Mantendo acesa a chama da paixão também se mantém a sombra do engano. Se sua busca é por um relacionamento sólido e duradouro, troque as coisas efêmeras pelas coisas perenes, troque a paixão pelo amor.
Aprenda a cozinhar, não como um lazer, mas como uma disciplina, como uma arte. Aprenda a ser responsável pelo o que vai estar na mesa do seu lar. O alimento é uma poderosa medicina que, muito provavelmente, vai estar em suas mãos, caso você se case. Assim também, aprenda os afazeres do lar. Muitos de sua geração se tornaram displicentes com os cuidados que devem ser dedicados ao lar. Não adianta recorrer a discursos feministas como “os homens precisam também assumir as tarefas de casa!”, sinceramente, na cidade, nem as mulheres estão aprendendo a fazer isso. Saber fazer dinheiro, saber economia e política, saber de pintura e música, conhecer “A crítica da razão pura” de Kant, nunca serão mais importantes do que saber se uma fruta está boa ou não para comer.
Acenda uma vela para Santo Antonio se você tem fé que isso vai ajudar . Uma biblioteca pode ser mais confiável do que as noitadas para se encontrar alguém. Uma oração é mais confiável que as duas juntas.
Aprenda a deleitar os ouvidos do outro, mas isso é bem diferente de ser tagarela. Aperceba-se de sua fala, de suas entonações, do momento e do ambiente. Aprender a usar a fala será importante para resolver os inevitáveis conflitos de um relacionamento. Mais importante que tudo isso, é entender a importância do silêncio.
As intenções e as expectativas atrapalham a comunicação com o outro, tente esquecê-las. Vá a lugares onde você não precisa ir armada para conquista, como uma feira internacional de gibis. Não fique matutando sobre um possível relacionamento futuro, se não, quando você encontrar um parceiro, ele já virá sobrecarregado com todas suas expectativas. O mesmo se aplica aos seus possíveis futuros filhos.
Lembre-se que você não veio ao mundo para satisfazer um homem, muito menos para satisfazer os outros mostrando a eles que você é capaz de satisfazer um homem. Aprenda a superar o desejo de se tornar uma esposa e a superar o medo de não se tornar uma esposa. Com disciplina se controla o alimento dos sonhos.
Eu vim ao mundo como vira-lata, essa é minha condição, mas não meu cárcere. Sua condição de mulher também não é um cárcere, você não está presa aos estereótipos e signos de identificação feminina. Transcenda! E a satisfação de sua condição de mulher se tornará algo secundário.
24/06/2009
Mais um propósito
Se sujo o papel com tinta
Não é porque sei da beleza
Ou saiba reproduzi-la
O poema é um entendimento
Que se mostrou impossível
O impossibilitamento
Que mostrou entendível
28/05/2009
Soneto para meus conselheiros
Os sonhos que costumava ter antes
Hoje eu já não os alimento mais
Em troca de agarrar os instantes
Que se vão como os barcos vão do cais
Se a grandeza é o tema inaugural
Dum sonho emancipado da madrugada
Então para ele deve haver um canal
Em cuja foz há uma vida frustrada
Realizar um sonho de ser e ter
É o que deveria buscar na minha idade
Com todas as forças de que disponho
Mas um algo insiste em me dizer:
O sonho não se torna realidade
Numa realidade feita de sonho
21/05/2009
Soneto da passagem
Com um azedume que não me desce
Dói saber que ainda estou aqui
Mas é como se não estivesse
Ela me dá o abrigo momentâneo
E o mal que o espírito me adoenta
É como se, sádica, espancasse-o
Com o mesmo gesto que o acalenta
Quero tomar um fôlego de vida
Sacar aquele bilhete só de ida
Entornar muito chá de sumiço
E, vendo as coisas neste estado,
Pergunto a Deus se não é pecado
Querer mais o colapso de tudo isso
27/04/2009
Tem um homem em cima da árvore!
- Quê!
- Um homem! Lá em cima, na árvore!
- Nossa, como ele conseguiu subir lá, é muito alto?!
- Sei lá! Eu só quero ver como ele vai descer.
- Só pode ser um ambientalista.
- É mesmo! Tá protestando!
Um jornalista que passa pelo local se dá conta de que pode estar diante de uma boa matéria. Então saca no bolso do paletó um caderno de notas, uma caneta e se põe a pensar num título para a matéria: “Ambientalista protesta subindo em topo de árvore no centro da cidade”. Enquanto isso, um pequeno aglomerado de gente vai se formando ao pé da árvore.
- Olha lá, ele tá se mexendo!
- Deve ser algum sinal de protesto.
- Não, ele só está coçando as costas.
- Coçando as costas?
- Não! Ele pode estar pedindo ajuda.
- É, deve ser um retardado. Ele deve estar com medo!
- E mesmo, olha lá, ele tem cara de louco mesmo, é melhor chamar os bombeiros.
O jornalista, então, repensa o título da matéria “Homem com problemas mentais sobe em árvore no centro da cidade”.
- Não dá nem pra ver a cara dele, como você tá falando que ele tem cara de louco?
- Sei lá, pra subir em árvores assim só pode ser louco!
- Louco nada, olha lá, ele tá ameaçando pular!
- Ai, meu Deus, ele vai se jogar!
Gritos! (principalmente das mulheres). O jornalista, eufórico com furo de reportagem, pensa em um novo título “Suicida se atira do topo de árvore no centro da cidade”. Uns urgem afoitos a chegada do corpo de bombeiros, outros pegam seus celulares e ligam para qualquer lugar que possa providenciar socorro para o homem, outros tentam gritar ao homem para dissuadi-lo do suicídio, já outros...
- Não, olha lá! Ele não vai se jogar, ele só estava coçando a bunda!
- Coçando a bunda?
- É, ó lá! Coçando a bunda.
- Á tá, é mesmo.
O jornalista se frustra, seu furo está ameaçado. “Homem coça a bunda no topo de árvore no centro da cidade” não seria um bom chamariz para os leitores do jornal. Esperançoso, ele então continua crendo se tratar de um suicida.
- Ele tá se mexendo de novo!
- Agora ele se joga!
O jornalista se enche de esperança...
- Ele tá tirando alguma coisa do bolso!
- É uma arma!
- Corre, corre!!!
O aglomerado de gente se dissipa gritando numa histeria singela, porém convulsiva. O repórter se extasia e logo pensa num título para a matéria “Homem armado sobe em árvore no centro da cidade e ameaça disparar contra a multidão”. Agora sim a proporção estava boa, o jornalista não tinha mais dúvida de estar diante de um grande evento.
- Que arma nada! É um garfo!
- Um garfo?
- É um garfo!
- Como você sabe?
- Olha lá, ele tá tirando cera do ouvido com o cabo do garfo!
- Cera do ouvido?
O jornalista fica bufando... Outro pequeno aglomerado de gente, mais tranqüila, começa a se formar de novo ao pé da árvore.
- Ó lá, ó lá, ele tá tirando alguma coisa de dentro do casaco...
Olhares apreensivos...
- Uma caixa?
- Um caixa!
- Um caixa?
- É uma caixa?!
- É, uma caixa de metal!
- Só pode ser uma bomba!
- Uma bomba?!
- Corre, corre!
- Chama a polícia!
O aglomerado de gente se dispersa. Cada um sai correndo para o lado mais conveniente. Uns caem no chão, outros derrubam sacolas, outros se trombam, e os mais empolgados com o espetáculo controlam o medo e se mantém por ali, mais afastados, no entanto. O jornalista recompõe seu êxtase, agora pensa “Terrorista sobe em árvore no centro da cidade e ameaça explodir uma bomba”.
- Ele está abrindo a bomba!
- Ai meu Deus! Ele vai explodir tudo!
Até o jornalista correu dessa vez. Mas, depois de alguns minutos e nenhuma explosão, ele e mais outros curiosos voltaram ao local...
- Ele tá lá ainda com a caixa?
- Tá sim!
- É uma marmita!
- Que?
- Uma marmita?
- É, ó lá, ele tá comendo.
- É mesmo, ele tá comendo!
- Ele tá comendo? É mesmo!
- É uma marmita!
O jornalista amaldiçoa o seu azar. Nem bomba, nem arma, só marmita! Puxa vida! Mesmo sem um grande furo, talvez ainda conseguisse algum espaço no caderno sobre o cotidiano da metrópole com aquele fato curioso do homem com a marmita. Então ele começa a escrever na caderneta seu relato. No dia seguinte, na página nove do caderno sobe cotidiano da metrópole, sai a seguinte matéria:
Enquanto cobria o caso de um homem que, segundo algumas testemunhas, estaria fazendo uma refeição no alto de uma árvore, o jornalista Mario Cândido de Oliveira foi atropelado por carro do corpo de bombeiros que, segundo a própria instituição, estava atendendo a um chamado de socorro ao homem que teria subido numa árvore. Este homem, que não quis se identificar, prestou depoimento à polícia como testemunha e afirmou: “Eu estava lá cima na árvore e vi um homem parado no meio da rua escrevendo num caderninho, pensei que era um louco ou coisa assim, porque ele não percebia onde estava. Quando vi que o carro dos bombeiros estava indo em direção a ele, tentei acenar e gritar para o homem sair dali, mas não sei porquê um bando de gente lá embaixo ficou gritando e acenando de volta para mim, então o homem não me ouviu e foi daí que ele foi atropelado”. O condutor da viatura que atingiu o jornalista, também em depoimento, afirmou que perdeu o controle do veículo por conta de uma falha no sistema de freios: "as viaturas estão muito ruins, sempre acontecem problemas mecânicos como este", declarou ele em entrevista. O corpo de bombeiros, em nota, prometeu abrir uma sindicância e punir os responsáveis. Nada de escrito foi encontrado no caderno de notas que estava em posse do jornalista. O velório de Mário Cândido está ocorrendo hoje (dia 23) no cemitério Parque das Araucárias, o enterro está previsto para às 13h00. O jornalista deixa esposa, dois filhos e uma vasta coleção de matérias sobre o cotidiano da metrópole publicadas neste jornal, além de outros escritos.