04/10/2007

O poema sempre em construção

Tenho sonhado muito, desmesuradamente
e se não me chamaram de lunático ainda
e porque não tenho sonhado suficiente

Tenho padecido do mal da juventude
tenho sofrido com paixões arrebatadoras
e tenho desistido de tudo com muita facilidade

e a cada dia quero ser mais e mais lunático
sempre mais do que fui no dia anterior
o controle que tenho e que me ensinaram a ter, quero perder

a vida inteira o que tenho feito
é brincar de ser coisas

meus ideais foram efêmeros
como paixões que eram
desconheço o propósito das coisas que faço
o que quero fazer
faço com objetivos sempre nebulosos... ou sem objetivo nenhum
faço o que me pedem
visto-me como querem
e me divirto... mas nem sempre

quando somos crianças
brincamos com as coisas dos adultos
vestimos suas roupas
reproduzimos suas falas
imitamos seus gestos
fingimos ser mais velhos e poderosos
e fantasiamos com seu mundo
continuo fazendo o mesmo
brinco com tudo que é dos homens
acho muito interessante a seriedade a altivez
com que muitos realizam as mínimas atividades cotidianas
é destes que às vezes eu levo bofetadas pela minha indolência
não sei fazer outra coisa além de brincar
não entendi bem onde é o lugar
da ciência, da religião, da política neste mundo
... ainda que seja óbvio
o que chamam de óbvias, geralmente não são muito óbvias para mim

tenho amado os clichês e as redundâncias
o que escrevo é sempre isso
tenho falado muito do amor
e das relações entre as pessoas
parece-me um desperdício falar de outra coisa
mas falo, porque brinco de falar também
conheci teorias suficientes para falar de muita coisa
mas não acredito em nenhuma delas
porque não sei qual delas é verdade
fico surpreso como algumas pessoas que se apegam fortemente a uma doutrina
e daí constroem suas certezas em cima dela
(o que são as coisas, o que deve ser feita com elas, o que é melhor para nós)
eu não consigo
tenho uma pista de que bom mesmo é amar
mas até isso andam desconstruindo
andam dizendo que amar é idealização
é um lugar que a gente inventa pra viver um faz-de-conta
para fugir do mundo em que não queremos viver
e que não queremos mudar porque temos medo
Mas eu não sei, só tenho pistas... e clichês
não consigo pensar e falar sem ser redundante

tenho padecido de uma total falta de capacidade
de visualizar a vida futura
mas tenho sonhado muito
com tudo que é possível
e tudo com que alguns dizem ser impossível
tenho sonhado até com super-heróis
e com a possibilidade de existirem coisas ocultas e sobrenaturais
como pregam os místicos e feiticeiros
tenho preferido usar a palavra “mágica” a “truque”

tudo que tenho sido e feito
parece uma cópia grosseira de algo que já existia
não há originalidade em mim
não levo uma rotina tranqüila e suportável
não exercito sempre as mesmas habilidades
porque temo todos as formas de atrofia
mas isso me torna um monte de retalhos indefinível
tenho aprendido sobre muito
acreditado em pouco
tenho ensaiado todo tipo de comportamento
todo tipo conduta, seguindo todos os tipos de preceitos
tenho sentido todo tipo de sensação
tenho estado imensamente feliz e profundamente triste
e às vezes passo o dia impressionado com o que vejo no espelho

nenhuma confissão minha tem validade no minuto seguinte
nenhuma certeza minha vale a pena de ser registrada
nenhum prognóstico meu é passível de ser levado a sério
tudo de mim tem chances de ser perdido pelo caminho
nada de mim é para ser eterno