28/05/2009

Soneto para meus conselheiros

É bom ser cão para não ter que ouvir conselhos dos homens. É certo que levo um monte de chutes por aí, mas às vezes deve ser melhor receber um chute do que um conselho. Não porque os conselhos sejam ruins por si próprios, mas é que aqui na cidade o tema deles parece não mudar, parece o mesmo lenga-lenga de sempre, a mesma piririmprolopopéia-discafatice enfadonha. Deus me guarde dos conselhos! Deus me guarde das conversas pra boi enriquecer! Falo isso porque outro dia encontrei um jovem que tem sido confundido com uma lata de despejar verbos no imperativo e no futuro do pretérito. O pobre coitado tem sido alvejado por conselhos, melhor seria dizer pelo mesmo conselho repetidamente. Ontem , quando ele se sentou ao meu lado, um pouco abatido de tanta paulada palavreada, veio uma canção do dia e me sussurrou assim:

Os sonhos que costumava ter antes

Hoje eu já não os alimento mais

Em troca de agarrar os instantes

Que se vão como os barcos vão do cais


Se a grandeza é o tema inaugural

Dum sonho emancipado da madrugada

Então para ele deve haver um canal

Em cuja foz há uma vida frustrada


Realizar um sonho de ser e ter

É o que deveria buscar na minha idade

Com todas as forças de que disponho


Mas um algo insiste em me dizer:

O sonho não se torna realidade

Numa realidade feita de sonho


21/05/2009

Soneto da passagem

Esta cidade rançosa estraga-se
Com um azedume que não me desce
Dói saber que ainda estou aqui
Mas é como se não estivesse

Ela me dá o abrigo momentâneo
E o mal que o espírito me adoenta
É como se, sádica, espancasse-o
Com o mesmo gesto que o acalenta

Quero tomar um fôlego de vida
Sacar aquele bilhete só de ida
Entornar muito chá de sumiço

E, vendo as coisas neste estado,
Pergunto a Deus se não é pecado
Querer mais o colapso de tudo isso