- Tem um homem em cima da árvore!
- Quê!
- Um homem! Lá em cima, na árvore!
- Nossa, como ele conseguiu subir lá, é muito alto?!
- Sei lá! Eu só quero ver como ele vai descer.
- Só pode ser um ambientalista.
- É mesmo! Tá protestando!
Um jornalista que passa pelo local se dá conta de que pode estar diante de uma boa matéria. Então saca no bolso do paletó um caderno de notas, uma caneta e se põe a pensar num título para a matéria: “Ambientalista protesta subindo em topo de árvore no centro da cidade”. Enquanto isso, um pequeno aglomerado de gente vai se formando ao pé da árvore.
- Olha lá, ele tá se mexendo!
- Deve ser algum sinal de protesto.
- Não, ele só está coçando as costas.
- Coçando as costas?
- Não! Ele pode estar pedindo ajuda.
- É, deve ser um retardado. Ele deve estar com medo!
- E mesmo, olha lá, ele tem cara de louco mesmo, é melhor chamar os bombeiros.
O jornalista, então, repensa o título da matéria “Homem com problemas mentais sobe em árvore no centro da cidade”.
- Não dá nem pra ver a cara dele, como você tá falando que ele tem cara de louco?
- Sei lá, pra subir em árvores assim só pode ser louco!
- Louco nada, olha lá, ele tá ameaçando pular!
- Ai, meu Deus, ele vai se jogar!
Gritos! (principalmente das mulheres). O jornalista, eufórico com furo de reportagem, pensa em um novo título “Suicida se atira do topo de árvore no centro da cidade”. Uns urgem afoitos a chegada do corpo de bombeiros, outros pegam seus celulares e ligam para qualquer lugar que possa providenciar socorro para o homem, outros tentam gritar ao homem para dissuadi-lo do suicídio, já outros...
- Não, olha lá! Ele não vai se jogar, ele só estava coçando a bunda!
- Coçando a bunda?
- É, ó lá! Coçando a bunda.
- Á tá, é mesmo.
O jornalista se frustra, seu furo está ameaçado. “Homem coça a bunda no topo de árvore no centro da cidade” não seria um bom chamariz para os leitores do jornal. Esperançoso, ele então continua crendo se tratar de um suicida.
- Ele tá se mexendo de novo!
- Agora ele se joga!
O jornalista se enche de esperança...
- Ele tá tirando alguma coisa do bolso!
- É uma arma!
- Corre, corre!!!
O aglomerado de gente se dissipa gritando numa histeria singela, porém convulsiva. O repórter se extasia e logo pensa num título para a matéria “Homem armado sobe em árvore no centro da cidade e ameaça disparar contra a multidão”. Agora sim a proporção estava boa, o jornalista não tinha mais dúvida de estar diante de um grande evento.
- Que arma nada! É um garfo!
- Um garfo?
- É um garfo!
- Como você sabe?
- Olha lá, ele tá tirando cera do ouvido com o cabo do garfo!
- Cera do ouvido?
O jornalista fica bufando... Outro pequeno aglomerado de gente, mais tranqüila, começa a se formar de novo ao pé da árvore.
- Ó lá, ó lá, ele tá tirando alguma coisa de dentro do casaco...
Olhares apreensivos...
- Uma caixa?
- Um caixa!
- Um caixa?
- É uma caixa?!
- É, uma caixa de metal!
- Só pode ser uma bomba!
- Uma bomba?!
- Corre, corre!
- Chama a polícia!
O aglomerado de gente se dispersa. Cada um sai correndo para o lado mais conveniente. Uns caem no chão, outros derrubam sacolas, outros se trombam, e os mais empolgados com o espetáculo controlam o medo e se mantém por ali, mais afastados, no entanto. O jornalista recompõe seu êxtase, agora pensa “Terrorista sobe em árvore no centro da cidade e ameaça explodir uma bomba”.
- Ele está abrindo a bomba!
- Ai meu Deus! Ele vai explodir tudo!
Até o jornalista correu dessa vez. Mas, depois de alguns minutos e nenhuma explosão, ele e mais outros curiosos voltaram ao local...
- Ele tá lá ainda com a caixa?
- Tá sim!
- É uma marmita!
- Que?
- Uma marmita?
- É, ó lá, ele tá comendo.
- É mesmo, ele tá comendo!
- Ele tá comendo? É mesmo!
- É uma marmita!
O jornalista amaldiçoa o seu azar. Nem bomba, nem arma, só marmita! Puxa vida! Mesmo sem um grande furo, talvez ainda conseguisse algum espaço no caderno sobre o cotidiano da metrópole com aquele fato curioso do homem com a marmita. Então ele começa a escrever na caderneta seu relato. No dia seguinte, na página nove do caderno sobe cotidiano da metrópole, sai a seguinte matéria:
Enquanto cobria o caso de um homem que, segundo algumas testemunhas, estaria fazendo uma refeição no alto de uma árvore, o jornalista Mario Cândido de Oliveira foi atropelado por carro do corpo de bombeiros que, segundo a própria instituição, estava atendendo a um chamado de socorro ao homem que teria subido numa árvore. Este homem, que não quis se identificar, prestou depoimento à polícia como testemunha e afirmou: “Eu estava lá cima na árvore e vi um homem parado no meio da rua escrevendo num caderninho, pensei que era um louco ou coisa assim, porque ele não percebia onde estava. Quando vi que o carro dos bombeiros estava indo em direção a ele, tentei acenar e gritar para o homem sair dali, mas não sei porquê um bando de gente lá embaixo ficou gritando e acenando de volta para mim, então o homem não me ouviu e foi daí que ele foi atropelado”. O condutor da viatura que atingiu o jornalista, também em depoimento, afirmou que perdeu o controle do veículo por conta de uma falha no sistema de freios: "as viaturas estão muito ruins, sempre acontecem problemas mecânicos como este", declarou ele em entrevista. O corpo de bombeiros, em nota, prometeu abrir uma sindicância e punir os responsáveis. Nada de escrito foi encontrado no caderno de notas que estava em posse do jornalista. O velório de Mário Cândido está ocorrendo hoje (dia 23) no cemitério Parque das Araucárias, o enterro está previsto para às 13h00. O jornalista deixa esposa, dois filhos e uma vasta coleção de matérias sobre o cotidiano da metrópole publicadas neste jornal, além de outros escritos.
- Quê!
- Um homem! Lá em cima, na árvore!
- Nossa, como ele conseguiu subir lá, é muito alto?!
- Sei lá! Eu só quero ver como ele vai descer.
- Só pode ser um ambientalista.
- É mesmo! Tá protestando!
Um jornalista que passa pelo local se dá conta de que pode estar diante de uma boa matéria. Então saca no bolso do paletó um caderno de notas, uma caneta e se põe a pensar num título para a matéria: “Ambientalista protesta subindo em topo de árvore no centro da cidade”. Enquanto isso, um pequeno aglomerado de gente vai se formando ao pé da árvore.
- Olha lá, ele tá se mexendo!
- Deve ser algum sinal de protesto.
- Não, ele só está coçando as costas.
- Coçando as costas?
- Não! Ele pode estar pedindo ajuda.
- É, deve ser um retardado. Ele deve estar com medo!
- E mesmo, olha lá, ele tem cara de louco mesmo, é melhor chamar os bombeiros.
O jornalista, então, repensa o título da matéria “Homem com problemas mentais sobe em árvore no centro da cidade”.
- Não dá nem pra ver a cara dele, como você tá falando que ele tem cara de louco?
- Sei lá, pra subir em árvores assim só pode ser louco!
- Louco nada, olha lá, ele tá ameaçando pular!
- Ai, meu Deus, ele vai se jogar!
Gritos! (principalmente das mulheres). O jornalista, eufórico com furo de reportagem, pensa em um novo título “Suicida se atira do topo de árvore no centro da cidade”. Uns urgem afoitos a chegada do corpo de bombeiros, outros pegam seus celulares e ligam para qualquer lugar que possa providenciar socorro para o homem, outros tentam gritar ao homem para dissuadi-lo do suicídio, já outros...
- Não, olha lá! Ele não vai se jogar, ele só estava coçando a bunda!
- Coçando a bunda?
- É, ó lá! Coçando a bunda.
- Á tá, é mesmo.
O jornalista se frustra, seu furo está ameaçado. “Homem coça a bunda no topo de árvore no centro da cidade” não seria um bom chamariz para os leitores do jornal. Esperançoso, ele então continua crendo se tratar de um suicida.
- Ele tá se mexendo de novo!
- Agora ele se joga!
O jornalista se enche de esperança...
- Ele tá tirando alguma coisa do bolso!
- É uma arma!
- Corre, corre!!!
O aglomerado de gente se dissipa gritando numa histeria singela, porém convulsiva. O repórter se extasia e logo pensa num título para a matéria “Homem armado sobe em árvore no centro da cidade e ameaça disparar contra a multidão”. Agora sim a proporção estava boa, o jornalista não tinha mais dúvida de estar diante de um grande evento.
- Que arma nada! É um garfo!
- Um garfo?
- É um garfo!
- Como você sabe?
- Olha lá, ele tá tirando cera do ouvido com o cabo do garfo!
- Cera do ouvido?
O jornalista fica bufando... Outro pequeno aglomerado de gente, mais tranqüila, começa a se formar de novo ao pé da árvore.
- Ó lá, ó lá, ele tá tirando alguma coisa de dentro do casaco...
Olhares apreensivos...
- Uma caixa?
- Um caixa!
- Um caixa?
- É uma caixa?!
- É, uma caixa de metal!
- Só pode ser uma bomba!
- Uma bomba?!
- Corre, corre!
- Chama a polícia!
O aglomerado de gente se dispersa. Cada um sai correndo para o lado mais conveniente. Uns caem no chão, outros derrubam sacolas, outros se trombam, e os mais empolgados com o espetáculo controlam o medo e se mantém por ali, mais afastados, no entanto. O jornalista recompõe seu êxtase, agora pensa “Terrorista sobe em árvore no centro da cidade e ameaça explodir uma bomba”.
- Ele está abrindo a bomba!
- Ai meu Deus! Ele vai explodir tudo!
Até o jornalista correu dessa vez. Mas, depois de alguns minutos e nenhuma explosão, ele e mais outros curiosos voltaram ao local...
- Ele tá lá ainda com a caixa?
- Tá sim!
- É uma marmita!
- Que?
- Uma marmita?
- É, ó lá, ele tá comendo.
- É mesmo, ele tá comendo!
- Ele tá comendo? É mesmo!
- É uma marmita!
O jornalista amaldiçoa o seu azar. Nem bomba, nem arma, só marmita! Puxa vida! Mesmo sem um grande furo, talvez ainda conseguisse algum espaço no caderno sobre o cotidiano da metrópole com aquele fato curioso do homem com a marmita. Então ele começa a escrever na caderneta seu relato. No dia seguinte, na página nove do caderno sobe cotidiano da metrópole, sai a seguinte matéria:
“Jornalista morre ao ser atropelado por carro do corpo de bombeiros no centro da cidade”
Enquanto cobria o caso de um homem que, segundo algumas testemunhas, estaria fazendo uma refeição no alto de uma árvore, o jornalista Mario Cândido de Oliveira foi atropelado por carro do corpo de bombeiros que, segundo a própria instituição, estava atendendo a um chamado de socorro ao homem que teria subido numa árvore. Este homem, que não quis se identificar, prestou depoimento à polícia como testemunha e afirmou: “Eu estava lá cima na árvore e vi um homem parado no meio da rua escrevendo num caderninho, pensei que era um louco ou coisa assim, porque ele não percebia onde estava. Quando vi que o carro dos bombeiros estava indo em direção a ele, tentei acenar e gritar para o homem sair dali, mas não sei porquê um bando de gente lá embaixo ficou gritando e acenando de volta para mim, então o homem não me ouviu e foi daí que ele foi atropelado”. O condutor da viatura que atingiu o jornalista, também em depoimento, afirmou que perdeu o controle do veículo por conta de uma falha no sistema de freios: "as viaturas estão muito ruins, sempre acontecem problemas mecânicos como este", declarou ele em entrevista. O corpo de bombeiros, em nota, prometeu abrir uma sindicância e punir os responsáveis. Nada de escrito foi encontrado no caderno de notas que estava em posse do jornalista. O velório de Mário Cândido está ocorrendo hoje (dia 23) no cemitério Parque das Araucárias, o enterro está previsto para às 13h00. O jornalista deixa esposa, dois filhos e uma vasta coleção de matérias sobre o cotidiano da metrópole publicadas neste jornal, além de outros escritos.