16/04/2011

A cidade que trouxe na bagagem

Do diário de bordo
Em Porto Velho (RO)
       Estava acorrentando a bicicleta nos ferros de uma grade, ao lado da igreja matriz, a qual tinha a intenção de visitar, quando o som das buzinas de carros à distante me trouxe um recordação. Foi de um instante na véspera do dia em que deixei São Paulo, há quase dois anos. Eu estava no apartamento de uma amiga, no quinto andar, contemplando a cidade pela janela ampla. O céu, como os edifícios, estava cinza, cor que ficava ainda ainda mais acentuado com o frio que fazia (era início de agosto). Lá de cima ouvia o som dos carros e suas buzinas, aquele mesmo que agora me transportava de Porto Velho para São Paulo. Ali de cima, longe das multidões, prestes a deixar aqueles lugar definitivamente, a metrópole já não parecia tão ameaçadora. 
       Eu que tinha passado os últimos tempos em constante embate frente à hostilidade daquele aglomerado de concreto, gente e metal, e temendo sua grandiosidade monstruosa, subitamente a observava de fora, pois estando prestes a deixá-la, era como se já não estivesse lá. Naqueles instante, sua monstruosidade parecia mais a careta de birra de um menino manhoso - nem hostil, nem ameaçadora, apenas ridicula e pouco relevante. As multidões, os veículos, os edifícios passavam a fazer parte de uma passado desimportante, como fitas VHS mofando num lugar esquecido da estante. A metrópole assim, destituída do poder que atribuíra a ela, mas que nunca chegou a ter, pude olhar para ela e, enfim, perdoá-la. 
      Nos momentos seguintes, ainda antes da partida, andando pelas ruas sem a usual pressa de chegar em algum lugar, cheguei até gostar dela. Estávamos inesperadamente nos reconciliando. Entretanto, mesmo diminuindo a distância abissal que havia entre nós, não poderia levar nada dali a lugar algum, para além dela uma nova vida estava nascendo, e, portanto, algo ali deveria morrer. 
      Deixei para ela apenas um pouco da muita gratidão que poderia ter deixado. Hoje, qualquer cidade, mesmo capitais como Porto Velho, Cuiabá e Brasília parecem pequenas e indefesas, frágeis como um irmão mais novo. Não assustam, apesar de mesmo assim eu as continuar evitando. Vejo as cidades sempre em relação à metrópole paulista. Não adiantou evitá-la, ela veio comigo.     

15/04/2011

Nota sobre a impermanência

Do diário de bordo
Em Porto Velho
Sim, tudo é provisório, nada é permanente. Não se conhece nada que tenha durado. Mas usando isso como argumento e impulso, vejo a mim próprio tornando provisórias as experiências que vivo e, assim, fazer com que possam assumir a condição de impermanentes. Se uma situação se prolonga por algum tempo, logo pergunto "Ei, você não vai acabar?". E, antes que ela possa me responder, me tranformo no agente que acaba com ela e logo me volto para outro rumo. Vivendo impermanência desse modo, por fim, tornei a mim mesmo num ser provisório. Só tenho aceitado viver uma experiência com a condição de que seja passageira, embora eu não saiba se essa seja uma condição do universo ou meu descomprometimento com o mundo. As coisas e os seres são como os brinquedos chineses: não foram feitos para durar. Se há algo de permanente nisso tudo, seria a única coisa pela qual valeria a pena viver, a única coisa digna de ser buscada. Talvez a eternidade são seja um tempo tão longo a ponto de não poder ser contado, mas apenas do tamanho de um instante. Este nunca acaba, pois é aquele que está sendo vivido, não começa e nem se acaba. É isso o infinito? Por que não?